Editora: Nova Fronteira
Nota: 7,5/10
Citação:
-Você está completamente doida - disse, levantando-se. Ève sorriu tristemente e murmurou, como para si mesma.
- Não o bastante.
Considerações sobre a obra
"O Quarto" é um conto intenso e psicologicamente complexo que explora a definição de normalidade e a estranha beleza encontrada na loucura. A narrativa é conduzida sob a perspectiva de três personagens: a mãe doente, o pai racional e a filha, que luta com a realidade de seu marido que está lentamente perdendo a sanidade. A trama se desenrola com o pai preocupado que sua filha esteja desperdiçando sua vida ao lado de um homem que, acredita ele, inevitavelmente colapsará em um estado animalístico e irracional.
A história começa com uma conversa entre o pai e a mãe, onde ele expressa suas preocupações antes de decidir visitar a filha para discutir suas apreensões. O diálogo entre pai e filha é crítico, mostrando inicialmente a perspectiva do pai e, depois que ele deixa o apartamento, a visão da filha. O que parecia ser obediência e compreensão por parte dela revela-se uma profunda raiva contra a normalidade que seu pai representa.
A filha não só rejeita a visão de mundo do pai, mas também abraça a "loucura" de seu marido, admirando a maneira única e distorcida como ele percebe o mundo. O conto se aprofunda na dinâmica entre o casal, explorando a maneira como ela lida com as alucinações dele e a inevitabilidade de sua completa degeneração. Ela antecipa a necessidade de terminar com a vida do marido quando ele perder completamente aquilo que ela considera como racionalidade, um ato de misericórdia que ela considera necessário, apesar de seu amor por ele.
A filha, em sua complexa relação com o marido e seu pai, personifica o conflito entre a conformidade e a autenticidade. Ela abomina a normalidade não apenas como um conceito, mas como uma prisão que sufoca sua verdadeira essência e a do seu marido. Sua decisão final de acabar com a vida do marido quando ele perder a última faísca de humanidade é ao mesmo tempo um ato de amor e uma rejeição brutal da irracionalidade.
O conto também explora temas de isolamento e identidade, mostrando como a filha se afasta das expectativas sociais e familiares em favor de uma conexão mais profunda e perturbadora com seu marido. O modo como ela contempla suas ações futuras, com uma calma distante, destaca a complexidade de suas motivações e a profundidade de sua alienação.
"O Quarto" é um estudo interessante sobre os limites entre a sanidade e a loucura, o amor e o sacrifício, levantando questões sobre a ética do cuidado e a dignidade na deterioração mental. Contudo, como a maioria das obras de Sartre que eu li até o momento, é deixado diversas questões vagas para a interpretação, podendo inferir-se de diversas maneiras tais questões - isso é, obviamente proposital, mas, caso leia a obra sem inferir sobre as razões emoções e os demais variados, a leitura irá parecer superficial e um tanto quanto incoerente/sem sentido.