Editora: L&PM Pocket
Nota: 8.5/10
Citação:
Afoguem o ser humano de cabeça na felicidade...; forneçam a ele tamanha satisfação econômica que já não lhe reste mais nada a fazer se não dormir, comer pão de mel e cuidar da continuidade da história universal - e então, mesmo nesse caso, os senhores vão ver como o tal do ser humano, por pura ingratidão, de pura chacota, vai fazer suas porcarias.
Vai por em risco até os pães de mel e vai desejar, de propósito, o absurdo mais pernicioso, a besteira mais antieconômica, só para misturar, em toda essa sensatez positiva, o seu elemento fantastico e pernicioso.
Considerações sobre a obra
A resenha será dividida em duas partes. Primeiro será comentado sobre a parte teórica e depois sobre a parte narrativa. Ambas são distintas – mesmo partindo da “mesma pessoa”.
1
A parte teórica é fantástica, principalmente pela época na qual foi escrita. É uma demonstração, e debate, sobre o caos da natureza humana – muito bem feito – trazendo à tona diversas questões, como, principalmente: “O quanto o ser humano realmente quer o melhor/certo/confortável?”
Essa pergunta pode ser vista de várias formas. Muitas pessoas acreditavam que o humano sempre buscaria o prazer, a satisfação, o conforto ou qualquer outra coisa. Mas Dostoiévski traz uma ideia diferente, a ideia de que pode ser que o ser humano busque o caos e não somente aquilo que lhe é bom ou dá prazer. Pode ser que o humano busque aquilo que irá lhe prejudicar, e prejudicar aqueles ao seu redor, pelo mero desejo de mutação, caos e diferença.
Tal ideia é extremamente perceptível quando paramos para pensar sobre a humanidade como um todo, sendo uma perspectiva extremamente inovadora dentro dos campos de conhecimento sobre a natureza humana.
Realmente, é um conceito muito bem descrito e muito bem desenvolvido sobre tais questões, sendo um ponto de debate extremamente interessante e de grande interesse para ser desenvolvido.
Poderia dar uma nota 10/10 para essa parte do livro em isolamento.
2
A parte narrativa também tem suas vantagens; contudo, essas vantagens são acompanhadas de desvantagens – o que é, de certa forma, um elogio.
A narrativa consiste em uma análise sobre alguém extremamente obsessivo/problemático e, nesse sentido, é extremamente bem feita.
É focado no desenvolvimento das ideias deste personagem e em como ele realmente desenvolve um pensamento sobre questões que talvez não fossem necessárias, criando um peso muito grande sobre algo que – talvez – nem fosse tão importante, mas que é extremamente relevante para ele.
Para um entendimento sobre a mente do obsessivo, é um ótimo escrito; contudo, como é caracterizado por um obsessivo, é uma leitura maçante e pesada – no sentido de entediante – em alguns momentos.
Quando analisada de uma forma apenas narrativa, é detalhada e serve para a função que se atribui desde o início. Logo, tem-se sucesso no objetivo da mesma.
É uma forma de estudo excelente para a ideia do entendimento sobre as pessoas obsessivas em diversos fatores. Contudo, uma leitura detalhada sobre alguém obsessivo tende a ser repetitiva e maçante em diversos momentos, o que pode atrasar a leitura.
Logo, o fato de ela ser boa – seguindo com precisão os pensamentos obsessivos – torna ela "ruim" – maçante, entediante e demorada. Por isso que digo que é uma ótima obra, atingindo com precisão seus objetivos e, ao mesmo tempo, uma obra entediante, atingindo com uma absurda precisão os seus objetivos.
Contextualização - Resumo
1
O livro começa com uma exposição teórica que consiste sobre a natureza humana. É feita por um indivíduo que se identifica como um covarde e como um lixo em todos os aspectos. Alguém que não ataca as dificuldades da vida, mas as evita com toda a sua força – por sua própria descrição, considera-se um mero rato.
Ele divaga sobre como os seres humanos encaram a perplexidade de suas decisões e as duas diferentes formas de agir sobre elas. Após tal divagação, ele passa para um “ataque” aos utilitaristas/comportamentais, afirmando com maestria o caos presente na humanidade. Ele identifica que o humano age pela imprevisibilidade e que, mesmo que soubesse a melhor forma de viver a vida, o humano agiria de uma maneira estúpida somente para quebrar o padrão predeterminado e provar que pode realizar tal decisão – entrando em um ato de prova para si de que decide suas próprias ações e não é somente “uma peça de piano para ser tocada”.
Ele também fala que, mesmo se o humano for colocado em uma situação magnífica, onde deve se preocupar apenas em comer um doce pão de mel e fazer sexo para continuar a espécie, ele ainda tomaria a decisão de, de alguma forma, quebrar o marasmo e a previsibilidade de sua existência. Novamente, buscando a provação de sua “independência” – mesmo que seja independência para tomar uma decisão errada.
2
Após tal exposição teórica, que consistiu muito de um diálogo, ele parte para uma narrativa, que seria uma história “de sua própria vida”.
Tal narrativa demonstra como ele é obsessivo, mas, ao mesmo tempo, um grande covarde. Por exemplo, ele conta sobre quando caminhava no mesmo local. Neste local, um guarda sempre andava em linha reta e “o forçava a abrir caminho”. Ele idealiza e passa dias pensando sobre como seria seu confronto com tal guarda, quando faria o guarda sair do caminho – idealizando e comprando roupas específicas para se apresentar como alguém do alto escalão, assim como diversas outras questões. Contudo, ele nunca realiza tal ato – afinal, o gozo está no desejo de realizar o ato e em sua constância preparatória, não no ato em si.
Ele conta diversas trajetórias de sua vida em situações assim. Quando entrou em um bar para que apanhasse e se comportasse como o melhor dos cavalheiros após tal ato – sendo que tal conflito nem ocorreu, mas foi idealizado por páginas.
Dentro de tal narrativa, ele comenta sobre seu trabalho e sobre sua relação com seu mordomo e com seus antigos colegas – os quais não podem ser chamados de amigos.
Ele acaba conversando com eles, sendo pego de surpresa pelo planejamento de uma festa surpresa para um antigo colega superpopular de seu passado – colega esse de quem ele não gosta. Tais amigos o excluem da participação na festa, afinal, ele não era da classe deles. Por mais que tal afirmação fosse verdade, e que o narrador nem mesmo gostasse desses colegas, ele faz questão de ir e, mesmo contrariado por um dos "amigos", ele afirma sua participação.
Ele fica pensando e pensando sobre como faria tal entrada, como poderia ir para lá – pensando que, principalmente, não tinha o dinheiro necessário para participar. Ele, então, pega o dinheiro do mordomo e, em vez de pagar o mordomo, vai para tal festa.
Chega no horário informado, que, para seu desapontamento, era uma hora mais cedo do que o verdadeiro horário. Ele fica lá, com peso obsessivo sobre seus pensamentos, mas não toca nem mesmo em uma gota de álcool. Quando eles chegam, se reúnem e começam a conversa, aquele para quem a festa era feita – o seu colega superpopular que havia recebido uma promoção em seu trabalho – começa a falar de forma autovangloriosa, e isso irrita o narrador, que acaba sendo extremamente grosso com ele. O seu colega popular, entretanto, não liga para tal questão e segue com o discurso. Eles saem da mesa e vão para um sofá, mas ignoram o narrador completamente – que começa a caminhar de um lado para o outro, incansavelmente. Continua sendo ignorado e vai afundando em tais pensamentos, não aceitando isso.
No final, ele é “abandonado” e os "cavalheiros" vão ao bordel, tanto que ele nem mesmo gasta seu dinheiro, de tão ignorado que foi. Ele tem uma leve crise, mas não vai – no momento – ao bordel.
3
Após uma grande briga interna, ele vai até tal bordel e lá encontra uma garota, bonita e jovem. Ele então faz um diálogo sobre a vida dela, contando como ela estava desperdiçando sua existência. Ele não fez isso para melhorar a vida dela – fez apenas para se colocar na posição de superioridade em relação a ela. Como um herói, que ele não era, mas podia fingir ser. Ele a faz chorar e acaba, por reflexo, dando seu endereço para ela.
3.5
Passou esse tempo após a conversa com ela se martirizando por ter dado o endereço. Afinal, ele morava em uma casa simples e era praticamente feito de capacho pelo próprio mordomo – não porque o mordomo o fazia assim, mas porque ele não conseguia bancar sua própria vontade de “ser o herói”; afinal, ele apenas finge ser e sempre cede à pressão.
Também foi escrita uma carta ao grupo de amigos, descrevendo com extrema formalidade um pedido de desculpas – novamente passando pelo herói que ele não é. Foi dito que ele estava bebendo antes de as pessoas chegarem e que isso influenciou seus comentários ofensivos etc.
Após enviar a carta, ele ficou pensando e pensando sobre quando a garota chegaria, e se ela chegaria. Ainda não havia pagado seu mordomo – pois queria que o mordomo pedisse o pagamento, se colocando nesse papel de inferioridade, ao invés de apenas ficar suspirando e olhando-o.
4
Um dia, praticamente uma semana após tal cena, ele, discutindo com seu mordomo pelo pagamento – ainda querendo que ele suplicasse –, acabou sendo interrompido pela mulher adentrando. Ele tenta se desculpar e manter a fachada. Até mesmo vai de encontro a seu mordomo, dá o pagamento e pede para ele ir comprar coisas para um lanche a ser oferecido a ela. Contudo, não consegue manter tal fachada, quebrando após ouvi-la dizer que gostaria de mudar de vida.
Ele faz um discurso sobre como ele não é um herói e que havia falado tudo aquilo apenas por descaso e desprezo dela, podendo assim demonstrar que, na realidade, ela não era ninguém com importância para ele – podendo ser apenas mais uma que cruzou seu caminho e que ele usou para poder se disfarçar de bom samaritano e de bom julgador. Ele, na realidade, era uma péssima pessoa. Com um leve surto, por tê-la mostrado quem ele realmente é, ele se isola no quarto. A garota fica chocada com tal cena. E, após um tempo esperando-o no sofá do outro cômodo, ela sai, deixando para trás a nota amassada de 5 $ que ele havia lhe dado em sua visita ao bordel.